O Conselho
Federal de Psicologia (CFP) reitera seu posicionamento contrário à PEC 171/93 (que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos) e reafirma que
sua aprovação não reduzirá a violência nem suas causas, mas desviará a atenção
do problema real – que depende da adoção de políticas sociais efetivas.
Na semana passada, o CFP encaminhou à
CCJC e aos Conselhos Regionais de Psicologia ofício em que reafirma seu
posicionamento contrário à redução da maioridade penal. De acordo com o
documento, o Sistema Conselhos atua contra a redução da maioridade penal e tem
defendido esse posicionamento por meio de publicações, audiências públicas e
suas representações junto ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Conanda), Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(FNDCA) e à Rede Nacional da Primeira Infância e, ainda, junto à sociedade
brasileira.
As contribuições da profissão na
construção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – que comemora 25 anos
de existência em 2015 – e do Sistema Nacional Socioeducativo (SINASE) refletem
a compreensão de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos em
desenvolvimento. Portanto, por estarem em um período de transformações, as
soluções devem ser pensadas em uma perspectiva educativa – do ponto de vista
emocional e social.
A autarquia também tem atuado e se
articulado a partir do Conanda, instância nacional que tem posição coletiva
contraria à redução. Para o CFP, atacar o indivíduo, desconsiderando
as causas da violência e da criminalidade, é a resposta irracional a um apelo
da sociedade de caráter mais amplo, por justiça social, mas reiteradamente
traduzido pela grande mídia como uma demanda pela redução da maioridade penal.
Debate
aponta mitos e verdades sobre o tema
Os mitos e
verdades que rondam a proposta de
redução da maioridade penal no Brasil foram debatidos em 31 de março por
especialistas da Psicologia, do Direito Constitucional e representantes do
Governo Federal e do Conselho Federal de Psicologia (CFP). No dia em que a
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) aprovou a
admissibilidade da PEC 171/93, os presentes elencaram alguns motivos
pelos quais centenas de entidades da sociedade civil se posicionam
contrariamente à redução da maioridade de 18 para 16 anos.
No debate, realizado em Brasília e
acompanhado por mais de mil internautas, os convidados confrontaram dados e
informações que têm sido difundidos pela grande mídia, por defensores da redução
da maioridade e por parlamentares no Congresso Nacional, e destacaram que as
instituições deveriam seguir pelo caminho oposto, o da proteção integral dos
direitos desta população.
Dentre os argumentos dos defensores da
redução apresentados no debate, está o de que o crescimento da violência seria
proporcional ao aumento dos crimes cometidos por jovens, e a medida da redução
sanaria a incapacidade do Estado em responsabilizar penalmente os menores.
“Isto não confere com dados: o percentual mínimo de crimes, violentos ou não,
cometidos por crianças e adolescentes, são de menos de dois dígitos. Este
argumento, por si só, não justificaria a redução da maioridade penal. É
injustificável e inaceitável”, disse o psicólogo Rodrigo Tôrres, membro do
coletivo ampliado do CFP. A Fundação Abrinq, por meio de nota técnica, mostra
que a população de adolescentes restritos e privados de liberdade representa
3,8% do total de presos no país. Em 2011, 38,1% dos atos infracionais cometidos
por adolescentes privados de liberdade referiam-se a roubos, seguido pelo
tráfico de drogas (26,6%). Os atos infracionais que atentam contra a vida
representam 11,4%, somando-se a esse total os casos de tentativa de homicídio.
José Luís Quadros de Magalhães,
professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), destacou que a tendência de criminalização na qual a sociedade se
esgueira somente aumentará a necessidade da presença de fiscalização do Estado,
que, segundo ele, já se mostra incapaz de atender as demandas criminais e
prisionais. “A redução da maioridade penal representa uma irresponsabilidade,
mesmo dentro do pensamento conservador. Os presídios estão superlotados e a
redução da maioridade significará aumentar essa fila. Mesmo na lógica
conservadora, isto é uma irresponsabilidade”, disse, lembrando, ainda, que a
polícia consegue resolver 7% dos casos criminais no país.
Ele
destacou que as sociedades atuais apostam no controle sobre o comportamento das
pessoas e que a Ética está perdendo espaço para o Direito Penal. “Estamos
apostando em uma sociedade de controle, como século 19 – com a Reforma Urbana
de Paris, com o aumento do Direito Penal. Não há nada de novo nesses discursos
que são colocados como novos. É o velho que já não funcionou que vem vestido de
novo. O aumento de controle não significa que as pessoas irão parar de cometer
atos ilícitos, não evitará as tentativas”, defendeu Magalhães.
A não identificação das razões da
violência, para os debatedores, não descontrói os fatos geradores de
insatisfação, que continuarão incitando mais violência. Os debatedores
destacaram a importância do aprofundamento e da ampliação das discussões acerca
das causas dos problemas da violência no país e criticaram o papel exercido
pelos parlamentares brasileiros e pela mídia neste sentido. “O Congresso está
nos levando, talvez de maneira irresponsável, mas nem tão intencional, ao caos.
Essas teses conservadoras nos levarão ao caos”, disse Magalhães. “O que estamos
vendo é que o Congresso não envolve a população na discussão, e nós temos meios
de comunicação extremamente concentrados. Assim, a gente nem sequer atenta para
as violências que são permanentes, como as violências nas relações sociais,
econômicas e simbólicas, como o machismo, no racismo”, destacou. “Para o CFP,
atacar o indivíduo, desconsiderando as causas da violência e da criminalidade,
é a resposta irracional ao apelo da sociedade”, afirmou a presidente do CFP,
Mariza Borges.
Para a Secretária Nacional de Promoção
dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria de Direitos Humanos
(SDH) da Presidência da República, Angélica Moura Goulart, as estatísticas
deveriam ser balizadoras da discussão. “Temos um conjunto de argumentos, dados
e, se nos debruçarmos sobre eles, vamos concluir que não podemos admitir esse
retrocesso. Um país ético não abandona seus filhos”. Ela lembra que destacou
que a população de adolescentes entre 12 a 20 é de cerca de 30 milhões de
pessoas (IBGE). “A letalidade que atinge nossa juventude deveria ser o tema de
debate do nosso Congresso Nacional. A verdade é que os nossos jovens estão
morrendo em numero muito maior do que de fato estão cometendo atos contra a
vida. Há de haver um equilíbrio nesta discussão”. Ela lembrou, ainda, que a
juventude morta hoje no país é negra, mora em periferia e tem baixa
escolaridade. “Dentro deste contexto de clamor social, são os nossos
adolescentes que vão, ao final de tudo, pagar essa conta”, declarou.
A psicóloga Maria José Gontijo Salum
reforçou o posicionamento de Goulart: “A gente sabe que a trajetória da grande
maioria dos adolescentes em conflito com a lei tem o mesmo percurso. Eles estão
na mesma condição: têm famílias em condição de vulnerabilidade e exclusão e
evasão da escola na adolescência. Em muitos casos, encontrar um educador no
cumprimento da medida permitiu ao adolescente voltar ao caminho e se interessar
pelos estudos, por um curso profissionalizante, refazer vínculos. Não é fácil,
mas é preciso apostar”. Ela destacou, ainda, o papel da família na educação e
na transmissão de valores, ideais, identificações e afeto, e defendeu o atual
sistema de responsabilização dos adolescentes que cometem delitos, respaldado
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Deve-se saber que
inimputabilidade não é o mesmo de impunidade”.
A
Psicologia e a defesa das crianças e adolescentes
A
presidente do CFP, Mariza Borges, reforçou o posicionamento da autarquia
contrário à redução da maioridade penal, baseado nas decisões históricas dos
profissionais da área, há anos, nos congressos estaduais, regionais e nacional.
“Há anos o CFP tem se pronunciado contra a redução da maioridade penal, com
base em argumentos fortes, em cima de produção científica, na observação da
experiência de outros países, além da própria experiência dos (as)
profissionais psicólogos (as) que trabalham na ponta. Não podemos pensar que a
redução será a solução para a criminalidade. Isto seria uma falsa causa”,
disse. Ela também convocou toda a categoria a debater e aprofundar as
discussões sobre o tema. “Temos defendido esta posição em todas as instâncias
nas quais temos representação. Agora é a hora de falar mais sobre isso, pois o
mérito está sendo discutido”.
Participaram do debate Angélica Moura
Goulart, Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do
Adolescente da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da
República, Mariza Borges, presidente do CFP, e os membros da Comissão de
Psicologia Jurídica do CFP, Rodrigo Tôrres e Maria José Gontijo Salum, além de
José Luís Quadros de Magalhães, professor de Direito Constitucional da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
As perguntas realizadas durante o
evento serão respondidas nos próximos dias. Assista ao vídeo completo: “Mitos e
Verdades sobre a Redução da Maioridade Penal” em https://www.youtube.com/watch?v=h2U1Ep1_nXw
Fonte: Site do CFP, disponível em http://site.cfp.org.br/reducao-da-maioridade-penal-debate-aponta-mitos-e-verdades-sobre-o-tema/
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